Nesta altura da vida, já não sei mais quem sou. Na ficha do médico, apareço como cliente. No restaurante, sou freguês. Quando alugo uma casa, viro inquilino. Na condução, sou passageiro. Nos correios, sou remetente. No supermercado, sou consumidor. Para a Receita Federal, sou contribuinte. Com o prazo vencido, sou inadimplente, e se não pago, sou sonegador. Para votar, sou eleitor; mas, no comício, sou massa. Em viagem, viro turista. Na rua, caminhando, sou pedestre e, se me atropelam, viro acidentado. No hospital, sou paciente. Para os jornais, sou vítima. Se compro um livro, viro leitor. Se ligo o rádio, sou ouvinte. Para o Ibope, sou espectador. No futebol, eu, que já fui torcedor, virei galera. E, quando morrer, ninguém vai se lembrar do meu nome: vão me chamar de finado, extinto, defunto e, em certos círculos, até de desencarnado. E o pior: para o Governo, eu sou um imbecil! E pensar que um dia já fui mais EU… (Luiz Fernando Veríssimo)